Por falta de tempo e inspiração essa semana o texto não será de minha autoria, mas já tinha planos de posta-lo aqui por achar muito engraçado e até interessante! Uns como minha mãe, sentiram nojo, outros o acharão apenas engraçado, mas enfim...
”A barata e a mais lidima das aquisições democráticas do mundo. Quase toda casa a possui. Aos pobres, lhes cabe melhor quinhão desses insetos, muito embora os hotéis de luxo também as tenham, apesar de todo o DDT. Pertencendo a família das Blatídeas, muito conhecida nos buracos de rodapés, fundos de arquivos e de gavetas, as baratas têm hábitos próprios interessantíssimos com os quais me familiarizei nos meus longos anos de pertinaz contato com arcanos e alfarrábios.
Para se lidar com as baratas, ha quem acredite em inseticidas e baratíssimas. Como em tudo mais, acredito em psicologia. Para se aplicar a psicologia e preciso um certo método e uma vasta disciplina. Vejamos.
Encontra-se a barata. Para se encontrar uma barata, não e preciso muito gasto de energia. Em geral, ela nos procura. E mais em geral ainda, ela vem ao meio de nossos dedos, quando pegamos aquela pilha de livros que estava debaixo da escada. No momento em que sentimos a barata presa em nossos dedos, um sentimento de horror inaudito corre nossa espinha. Largamos os livros, agitamo-nos furiosamente, batemos no chão, nos moveis e nos livros com o primeiro pano ou jornal que se nos depara, mas, a essa altura, a barata já estará longe. Escondida numa das 365 mil paginas dos 870 livros que já espalhamos no chão. Como encontrá-la? Eis o problema. Esse problema, depois de acalmados nossos nervos e esfregadas nossas mãos com sabão e bastante álcool, e que procuramos resolver.
Existem, para se pegar uma barata, dois processos distintos. Um e chamar a empregada e dizer: "Tem uma barata ai! Quero isso bem limpo". E virar covardemente as costas. Dessa atitude pode resultar que a barata atinja um extraordinário grau de longevidade, pois a empregada passara um pano nos livros e jogara por cima deles um pouco de DDT, dando-se por satisfeita. A barata também. E daqui a seis meses, quando você for pegar aquele velho exemplar de Balzac (o escritor francês Honoré de Balzac, 1799-1850) terá a desagradável surpresa de ver, a pagina 276, olhando-o com aqueles olhos brejeiros e aquelas antenas irônicas que lhe são próprios, a mesma barata que você tinha condenado a morte. Vocês fitar-se-ão demoradamente. Ela continuara balouçando as antenas. E você, depois de um segundo de inércia, saltara para o ar e berrara femininamente. Pois eis que as baratas tem o extraordinário poder de nos afeminar a todos.
Portanto, não se deve virar as costas a uma barata, mas sim enfrentá-la masculamente. Para isso precisamos, antes de mais nada, saber se a barata e uma Blatídea comum ou se e uma Peri planeta Americana, ou, em linguagem menos cientifica, uma dessas baratas que voam. Se e dessas, aconselhamos o leitor a desistir de qualquer pretensão máscula. Agora, se e das outras, sempre ha recursos:
1. Pegue um jornal bem dobrado, deixando a mostra o artigo de fundo. Sacuda bem os livros e espere, trepado numa cadeira. Atente, sobretudo para o estilo de bater quando a barata surgir. Lembre-se: o estilo é o homem.
2. Quando a barata surgir, bata de uma vez. Não durma na pontaria. Ela normalmente para um pouquinho, para sondar o ambiente ca de fora e confrontá-lo com a literatura em que vive metida. E esse o momento de atacar.
3. Nunca aproxime e afaste o jornal para fazer pontaria. As baratas sabem muito bem o que as espera quando se tem esse ventinho. Quando você bater, ela já terá embarcado para a Europa.
4. Não tenha pena de bater. Bata firme, forte, decididamente. E a vida dela ou a sua. Se você não a matar, então terá que passar a existência inteira alimentando-a a base de inseticida.
5. Não se importe com as coisas que o cercam. Afinal de contas, que são meia dúzia de copos partidos, um tapete manchado, dois livros com as paginas rasgadas e uma perna de cadeira quebrada se você conseguir matar "uma barata".
6. Se falhar, são a paciência lhe dará outra oportunidade. A barata não lhe dará outra tão cedo, enquanto permanecer em sua memória o trauma da pancada que quase lhe tirava a vida. Não adianta você sacudir livro apos livro porque se recusara a aparecer. Agarrar-se-á as paginas e, se cair, correra rapidamente, escondendo-se por trás do guarda-roupa.
7. Não se deixe levar pela vaidade. Às vezes você atinge uma barata de leve e ela vira-se de barriga para o ar agitando as perninhas, ininterruptamente, com a expressão de quem esta dando uma gargalhada, achando você engraçadíssimo. Isso poderá lisonjeá-lo, mas não a poupe por esse motivo.
8. Às vezes, elas tentam outro truque sentimental. Atingidas de leve, vão se arrastando tristemente, de vez em quando olhando para você com um olhar que lhe dilacera o coração, como quem diz: "Seu malvado, viu o que você fez?". Antes de começar a chorar, bata ate matar. Depois chore.
9. De seis em seis meses, faca um teste consigo próprio para ver se você esta mais desbaratador do que no semestre anterior. Se a resposta for negativa, não esmoreça. Continue lutando ate que possa, como nos, cobrar caro pelas lições administradas. E essa e nossa ultima recomendação: cobre sempre caro pelos seus conselhos nesse setor. Não se barateie! “
Millôr Fernandes
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